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É mesmo vantagem ter planos de dados com WhatsApp e Facebook ilimitados?

É mesmo vantagem ter planos de dados com WhatsApp e Facebook ilimitados?

Acordos entre operadoras e aplicativos aliviam o consumo da franquia de dados, mas podem prejudicar a inovação.

 

De tempos em tempos, recebo comunicados de operadoras de telefonia anunciando que permitirão o acesso ilimitado, sem descontar do tráfego de dados, a determinados aplicativos. Normalmente, são os mais populares: WhatsApp, Facebook e Twitter. Clientes que contratam plano de dados podem usar esses serviços sem se preocupar com o estouro da franquia. Ontem (10/11), foi a vez de a Claro anunciar uma nova parceria com esses serviços.

Como já dizia o filósofo Arthur Schopenhauer: "de graça, até injeção na testa"*.

Num primeiro momento, parece um grande negócio para o consumidor. Se você é como eu, que estoura o plano de dados mês sim, mês também, imagina o alívio que é poder usar livremente o Facebook, o WhatsApp e o Twitter. No meu caso, esses serviços devem consumir algo como 80% da minha franquia.

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O problema é que essa lógica do benefício fica um pouco turva quando pensamos em longo prazo. Por uma razão simples: se você beneficia os mais populares está, indiretamente, prejudicando os menos populares. Ou poderia dizer assim: se você beneficia os mais poderosos, está prejudicando o desenvolvimento dos menos poderosos. Para ser mais específico: se você beneficia o WhatsApp, o Twitter ou o Facebook, pode estar prejudicando o surgimento de um aplicativo concorrente criado por um garoto de 15 anos no porão de casa.

“Uau, cara. Bem vindo ao capitalismo”. Pois é. O problema é que esta prática, conhecida no jargão de telecom como "zero rating", pode ferir um dos princípios básicos que ajudaram a construir a internet da forma como a conhecemos: a neutralidade da rede. É esse princípio que garante que todos os dados que circulam na internet possam ser acessados sem distinção de conteúdo, tamanho de arquivo, origem, destino, sem redução de velocidade ou aumento do preço da conexão. Eu digo “pode” porque há uma grande discussão jurídica sobre se esse privilégio significa ou não uma quebra da neutralidade. Tanto que o "zero rating" foi protagonista de debates acalorados durante a concepção do Marco Civil da Internet.

Bom... Enquanto não há uma definição legal sobre isso, o fato é que a prática continua a ser adotada. Não só no Brasil. Nos Estados Unidos, a operadora T-Mobile anunciou recentemente isenção de franquia de dados para quem usa Netflix e HBO.

Há quem diga que, na imensidão do mercado de aplicativos para smartphones, há espaço suficiente para que os poderosos se tornem mais poderosos e que os inovadores surjam do nada. Casos como o Snapchat estão aí para mostrar que é possível resistir às investidas de gigantes da tecnologia. Já os críticos do “zero rating” dizem que ele prejudica a competitividade. E competição, no mundo da tecnologia, se traduz em inovação. Quando você estoura seu plano de dados, passa a ter acesso apenas a aplicativos selecionados por sua operadora. Outros menores e possivelmente mais inovadores ficam inacessíveis. Você só tem acesso se pagar para ampliar sua franquia. Por que pagar se há bons aplicativos que te satisfazem de graça? Voltamos ao Schopenhauer.

A internet é o que é hoje porque se constituiu como uma estrada que não coloca mais ou menos obstáculos de acordo com o tipo de veículo que irá passar por ela. Mesmo com velocidades diferentes, todos têm as mesmas condições de sair e chegar ao destino programado. Foi essa garantia que permitiu que o Google surgisse num laboratório de Stanford e destronasse o poderoso Yahoo!. Ou que permitiu que Mark Zuckerberg criasse em seu quarto em Harvard uma rede social que acabaria com o império do MySpace. Imaginem se essas empresas pudessem usar seu poder e sua rede de parceiros para ter vantagens em relação a esses serviços melhores e mais inovadores? Provavelmente estaríamos num mundo mais atrasado do que o que vivemos hoje, certo? É este o efeito que a prática indiscriminada do "zero rating" pode gerar em longo prazo.

Fonte: Época

Data: 23/02/2016

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